O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), deu início ao “Projeto Itinerante RS – Trabalho Decente”. A primeira parada ocorreu na terça-feira (12/11), no município de Arvorezinha, no Alto Vale do Taquari, com o objetivo de promover uma reflexão sobre a importância da conscientização e aplicação dos direitos trabalhistas, além de combater práticas ilegais como o trabalho escravo e o tráfico de pessoas.
O evento, que ocorreu no auditório do Centro Administrativo de Arvorezinha e teve como público-alvo as comunidades da cidade e também de Ilópolis, Putinga e Anta Gorda, informou e esclareceu a população local sobre os direitos dos trabalhadores e a atuação das instituições responsáveis pela fiscalização e proteção desses direitos.
A programação contou com palestras sobre temas voltados para a atuação da fiscalização do trabalho, a promoção dos direitos trabalhistas pelo MPT, além de um painel dedicado ao Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Proteção ao Trabalho do Migrante, iniciativa coordenada pelo TRT-RS.
A mesa de abertura foi composta pelo desembargador Manuel Cid Jardon e pelo juiz Charles Lopes Kuhn, ambos gestores regionais do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante no TRT-RS; Lucilene Pacini, auditora fiscal do Trabalho; Gerson Soares Pinto, chefe da Seção de Fiscalização do Trabalho da Superintendência do MTE; Franciele D’Ambros, procuradora do MPT-RS; Jaime Talietti Borsatto, prefeito de Arvorezinha; e Patrícia Siqueira, representante da Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Painéis
Atuação da Fiscalização do Trabalho na Garantia do Trabalho Digno no RS
A auditora fiscal do Trabalho Lucilene Pacini destacou que um dos objetivos do Ministério do Trabalho é a erradicação de toda forma de trabalho degradante. Ela apresentou alguns casos de ações de fiscalização do MTE. Lucilene relatou a realidade enfrentada na região, onde as denúncias de trabalho escravo ocorrem, especialmente envolvendo migrantes que chegam ao Brasil sem a devida documentação. Informou que, nos últimos quatro meses, houve um aumento significativo nas denúncias e nas ações de fiscalização, evidenciando a necessidade de atenção.
A contratação de mão de obra no meio urbano e no meio rural sem a aplicação da legislação trabalhista foi uma problemática central abordada pela auditora. Ela ressaltou que muitos trabalhadores, especialmente migrantes, operam na informalidade, sem registros ou documentos, o que os coloca em situações vulneráveis. Lucilene também mencionou a questão da terceirização irregular, em que trabalhadores são contratados de forma inadequada e acabam sem os direitos garantidos pela legislação trabalhista.
Além das falhas na contratação, a auditora trouxe à tona as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, como “o não pagamento das verbas salariais, como preconiza a legislação”. Ela apontou que esses trabalhadores costumam ser pagos de forma irregular, muitas vezes apenas por dias trabalhados, sem considerar a dificuldade de não receber em dias de chuva ou as condições inadequadas de alojamento. Lucilene alerta para a importância de abordar esses problemas, visando a proteção dos trabalhadores e a garantia dos direitos trabalhistas.
Atuação do MPT na Promoção dos Direitos dos Trabalhadores do RS
A procuradora do Trabalho Franciele D’Ambros destacou a missão do Ministério Público do Trabalho (MPT), que é promover o trabalho decente, garantindo direitos fundamentais como segurança no ambiente de trabalho, jornada equilibrada e bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores. Franciele lembrou que o MPT é uma instituição permanente que não pode ser abolida e se diferencia de outras instituições, como o Ministério do Trabalho e o Poder Judiciário. Ela explicou que o papel do MPT é essencial na defesa da “ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais disponíveis”.
A procuradora explicou as duas principais formas de atuação do MPT: a judicial e a extrajudicial, enfatizando a importância desta última. O trabalho extrajudicial do MPT inclui a investigação de denúncias de irregularidades trabalhistas, como trabalho escravo, discriminação e descumprimento de normas. Qualquer cidadão pode realizar uma denúncia por meio dos canais do MPT, e, a partir dessas denúncias, é iniciado um inquérito civil, em que são coletadas provas para confirmar ou descartar as alegações. Em casos confirmados de irregularidades, o MPT dá ao empregador a oportunidade de adequação da conduta, buscando uma solução que evite a judicialização.
Franciele explicou que a atuação judicial ocorre quando o empregador não colabora ou não ajusta sua conduta espontaneamente. Nesse cenário, o MPT pode ingressar com uma ação no Judiciário, onde as obrigações e os pedidos são semelhantes aos de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), mas com a diferença de que há maiores pedidos de indenização e uma sentença que obriga o cumprimento da legislação trabalhista. Franciele reforçou que, embora o objetivo do MPT seja sempre garantir o cumprimento das leis, os ajustes voluntários, obtidos por meio do TAC, tendem a proporcionar melhores resultados e são menos onerosos para os recursos públicos.
Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, ao Tráfico de Pessoas e de Proteção do Trabalho do Migrante
O desembargador Manuel Cid Jardon ressaltou a importância da coordenação entre instituições no combate a violações trabalhistas, especialmente no contexto de trabalho escravo e exploração laboral. Ele destacou que antigamente “cada um atuava isoladamente” e que, ao perceberem que isso não gerava resultados efetivos, instituições como a Justiça do Trabalho, Polícia Federal, Polícia Civil e Ministério Público passaram a atuar de forma conjunta e coordenada. Jardon mencionou a criação, em janeiro de 2023, de um grupo de especialistas em Direito do Trabalho para fortalecer essa cooperação e elaborar um programa nacional de combate às condições degradantes de trabalho.
O desembargador também enfatizou a centralidade dos direitos fundamentais na Constituição brasileira, especialmente a dignidade humana, que ele descreveu como um direito essencial e igualitário. O magistrado ressaltou que a Constituição assegura que a “dignidade é igual para todos”, independentemente de classe social, posição ou poder econômico. Jardon observou que a dignidade humana, associada aos valores de liberdade e cidadania, deve ser respeitada em todos os âmbitos e que, em situações de desrespeito, o cidadão tem o direito de buscar “a restauração” dessa dignidade, até mesmo frente ao próprio Estado.
Além disso, o magistrado apontou que um dos maiores desafios no combate a essas violações é a falta de “empatia” e “humanidade” de alguns empregadores, que falham em se colocar no lugar do outro. Ele destacou a importância de uma “empatia que leve à ação” e ao cumprimento das condições dignas de trabalho, essenciais para que as instituições atuem de forma integrada e para que se alcance maior respeito à dignidade dos trabalhadores.
Respeito à legislação trabalhista
O juiz do Trabalho Charles Lopes Kuhn abordou os desafios enfrentados pelos empresários para conciliar a competitividade com o respeito aos direitos trabalhistas. Segundo ele, enquanto muitas empresas buscam cumprir suas obrigações, “existem empresas que cumprem suas obrigações e que zelam para que essas coisas não aconteçam”, ao passo que outras, em busca de lucro, deixam de respeitar esses direitos. Charles ressaltou que, ao garantir condições dignas de trabalho, o poder público protege não apenas os trabalhadores, mas também os “bons empresários”, que são penalizados ao competir com empresas que desrespeitam a legislação trabalhista.
O magistrado também discutiu o papel dos empregadores na criação de um “meio ambiente artificial”, ou seja, o ambiente de trabalho que impacta diretamente a vida dos trabalhadores. Ele comparou as empresas a “reinos” dentro de um sistema globalizado, onde cada decisão administrativa afeta os empregados e, consequentemente, a sociedade ao redor.
Para o juiz, cada empregador é responsável por zelar pela dignidade no ambiente de trabalho e precisa lembrar que “as pessoas vão passar oito horas ali trabalhando”, levando as consequências desse ambiente para suas casas e comunidades.
Por fim, Charles alertou sobre os riscos sociais e econômicos de desconsiderar o impacto humano nas relações trabalhistas. Ele enfatizou que a exploração de trabalhadores, especialmente imigrantes, pode gerar problemas duradouros, como a criação de “bolsões de miséria”, que acabam prejudicando toda a sociedade. Ele afirmou que, em um mundo interconectado, “a lei do retorno vale pra tudo”, indicando que o desrespeito aos direitos trabalhistas eventualmente traz consequências negativas para todos.
Atendimento Especializado sobre Migrantes: Documentação, Regularização e Trabalho
A coordenadora de projetos da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Patrícia Siqueira, explicou o papel da organização na promoção de uma migração segura e digna. Fundada em 1951, a OIM surgiu após a Segunda Guerra Mundial para apoiar pessoas que precisavam migrar por razões de sobrevivência.
Ela destacou que o objetivo da OIM é promover uma “migração regular” e enfrentar os desafios do deslocamento populacional, garantindo que os direitos dos migrantes sejam respeitados. Patrícia ressaltou a importância de garantir trabalho decente para todos, incluindo migrantes, como uma responsabilidade de empregadores e da sociedade em geral.
Patrícia também descreveu os esforços da OIM para integrar migrantes ao mercado de trabalho, tanto por meio de capacitação quanto através de parcerias com o setor público e privado. A OIM “sensibiliza empresas sobre a contratação de migrantes no recrutamento ético” e apoia a integração dos migrantes em empresas.
Além disso, a Organização oferece apoio aos setores público e educacional para atender às necessidades específicas de famílias migrantes, como o reconhecimento de diplomas e qualificações, para que se sintam plenamente acolhidos e integrados.
A representante da OIM abordou iniciativas voltadas à empregabilidade e empreendedorismo, especialmente para mulheres migrantes, muitas das quais migram sozinhas e precisam encontrar formas saudáveis de sustento. Segundo ela, o empreendedorismo “fomenta a integração” e permite que o migrante se sinta parte da comunidade, vendo a cidade como “sua casa”. Através de projetos como o Migracidades, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a OIM apoia governos locais na criação de práticas de governança e boas práticas para a integração dos migrantes, promovendo uma convivência harmoniosa e sustentável para todos.
Engajamento
A ação foi marcada pela troca de experiências e pela construção de um diálogo essencial para o fortalecimento das políticas públicas de proteção ao trabalhador. O auditório ficou praticamente lotado. O evento, que contou com a presença de representantes de várias entidades públicas e da sociedade civil, demonstra a importância de se promover a educação e a conscientização sobre os direitos trabalhistas, especialmente em regiões mais distantes dos grandes centros urbanos.
Série de encontros
Este foi o primeiro de uma série de encontros que o TRT-RS realizará em diferentes regiões do Estado ao longo de 2025. O projeto tem como objetivo aproximar as comunidades das instituições responsáveis pela defesa e fiscalização dos direitos dos trabalhadores e combater práticas ilegais, como a exploração do trabalho escravo e a precarização das condições de trabalho.
A organização do evento foi feita pelos seguintes servidores e servidoras da Coordenadoria de Sustentabilidade, Acessibilidade e Inclusão, e do Cerimonial do TRT-RS: Anita Cristina de Jesus, Laís Cristina Gerhardt, Elen Cristina Presotto, Cicero da Silva Ferreira e Rafael Filla Nunes.